Responsáveis pelo combate ao mosquito da dengue, 100 servidores decidem parar depois que colega foi morto no lugar de estuprador
Rio - O desaparecimento do agente de controle de endemias Júlio Baptista Almeida da Silva Barroso, 29 anos, que teria sido confundido com um estuprador e sequestrado por traficantes da Favela Nova Brasília, no Complexo do Alemão, levou os supervisores dos mata-mosquitos a suspender o combate a focos do Aedes aegypti nas comunidades da área programática 3.1, que abrange os complexos do Alemão, da Penha e da Maré, as favelas de Manguinhos, Vigário Geral e Parada de Lucas e da Ilha do Governador. Cerca de cem agentes estarão fora das comunidades e serão remanejados.
Assustados com a barbárie, colegas do funcionário público contam muitos outros casos de violência e constrangimento em comunidades dominadas pelo tráfico. No Complexo do Alemão, por exemplo, há cerca de três meses, os mata-mosquitos passaram a trabalhar com agentes do Programa de Saúde da Família na tentativa de, em grupos, evitar riscos.
“As comunidades são nossa prioridade, principalmente pelas condições do sistema sanitário, mas os agentes de endemias não têm como trabalhar hoje nessas áreas. Todos serão transferidos para a área urbana até que haja resposta para esta situação”, afirmou um dos coordenadores da AP 3.1.
O índice de infestação considerado aceitável pela Organização Mundial de Saúde é de até 1% das residências e nessas comunidades, segundo os agentes, a taxa está em torno de 7%. Cada funcionário, que trabalha diariamente das 8h às 17h, visita 25 casas por dia.
Como O DIA noticiou ontem, Júlio teria sido confundido com um estuprador que se disfarçava de mata-mosquitos para atacar mulheres na região. Ele desapareceu na tarde do último dia 9, depois do trabalho. Segundo informações passadas à polícia, uma mulher teria apontado para o rapaz quando ele passava perto da antiga fábrica de refrigerantes na Estrada do Itararé, esquina com a Rua Jehovan Costa. Pelo menos sete homens que estavam em um ponto de mototáxi teriam abordado Júlio e o levado para dentro da favela.
Júlio teria tentado argumentar, mostrando sua identificação. Moradores e pessoas que passavam pela rua teriam sido espantadas pelo grupo. A mãe de Júlio, Dona Elenice Almeida da Silva, 71 anos, se agarra à religião para confortar o sofrimento. “Não tenho ilusão de que vou encontrá-lo. Nem sei se o corpo dele vai aparecer porque a gente sabe do que esses bandidos são capazes. Como sou espírita, sei que o espírito dele sempre estará por perto e por isso preciso ter e guardar apenas boas lembranças”, disse ela.
O prefeito Eduardo Paes cobrou a investigação do caso. “Não há certeza nisso, por enquanto é especulação. Eu fiz um pedido à polícia para que continue investigando”, disse Paes. Presidente do Movimento Popular de Favelas, William de Oliveira questionou a paralisação do serviço nas comunidades. “Somos solidários à dor da família, mas o trabalho não pode parar. As comunidades têm poucos serviços públicos e os focos do mosquito estão espalhados”. O secretário municipal de Saúde, Hans Dohmann, disse que não há determinação para retirar os agentes. “ Eles vão continuar entrando na comunidade porque precisamos fazer esse trabalho. Mas vamos dar a eles a condição de segurança”, afirmou.
Servidores denunciam falta de segurança
Agentes de controle de endemias vão se reunir hoje, às 9h, na porta da prefeitura, na Cidade Nova. Eles vão cobrar mais segurança e empenho nas buscas por Júlio. Os servidores também sugerem que agentes comunitários sejam capacitados para atuar nas comunidades e evitar situações de risco.
“Já ficamos sob fogo cruzado em confrontos e muitas vezes ficamos sob a mira de armas. Eu mesma passei um dia inteiro trabalhando no Alemão com um bandido armado atrás de mim. Ele queria que eu recolhesse caramujos africanos, apesar de essa não ser nossa função”, contou uma funcionária pública.
Outra agente de endemias disse que uma colega foi feita refém, enquanto cuidava de uma casa na Ilha . “Os bandidos invadiram a casa onde ela colocava o larvicida e a mantiveram presa por mais de meia hora”, lembrou.
Servidores também reclamam das condições de trabalho. Há postos instalados nas comunidades que funcionam, segundo os agentes, no banheiro de uma associação de moradores e até debaixo das escadas de uma igreja.
INVESTIGAÇÃO
INQUÉRITO EM TRÊS DELEGACIAS
Depois de passar por três delegacias, o inquérito sobre o desaparecimento de Júlio voltou para a 44ª DP (Inhaúma). Hoje, um amigo do agente de saúde, que recebeu a informação sobre sua suposta morte, será ouvido. Ontem, a irmã de Júlio prestou depoimento na delegacia.
CASO PARADO
As vítimas do estuprador que se passava por mata-mosquito viram a foto de Júlio e negaram que ele fosse o criminoso. “Esta certeza eu já tinha. Julinho era muito correto em tudo. A mãe sabe o filho que tem. Mas quero que todas as pessoas saibam quem ele era. Não quero que ele fique com nenhuma mancha”, disse Elenice Almeida, mãe do rapaz. “Infelizmente, o inquérito está parado. Três suspeitos detidos não foram reconhecidos”, disse o delegado Felipe Curi. Digitais coletadas na casa de uma vítima serão confrontadas com banco de dados do Detran.
ORDEM DO TRÁFICO
O agente de saúde teria sido morto por traficantes do Complexo do Alemão, por ter sido confundido com o criminoso que atacou sete vítimas disfarçado de mata-mosquito. A ordem para a suposta morte de Júlio pode ter partido do chefe do tráfico do local, Luciano Martiniano da Silva, o Pezão.