Atores bigodudos Marcius Melhem e André Gonçalves estão indignados com escândalos. Presidente do Senado responde ainda por sete denúncias
Brasília - A estratégia de defesa do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), está dando resultados. Ontem, depois de ocupar a tribuna da Casa por quase uma hora reafirmando que não vai renunciar, desdenhando das acusações e afirmando ser vítima de perseguição, Sarney viu serem derrubados os primeiros quatro dos 11 pedidos de investigação contra ele. Confirmando as expectativas, o presidente do Conselho de Ética, Paulo Duque (PMDB-RJ), não se constrangeu, usou de sua prerrogativa e determinou o arquivamento sumário das representações contra o colega. Tímida, a oposição anunciou que vai recorrer.
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A sucessão de escândalos também choca os famosos, como os atores Marcius Melhem e André Gonçalves, que interpretam personagens de bigode, semelhantes ao de Sarney, na novela ‘Caminho das Índias’. Melhem, que aderiu à campanha ‘Fora, Sarney’, vociferou: “A cara de pau dele está perdendo o limite”.
Paulo Duque arquivou uma representação protocolada pelo PSOL e três denúncias apresentadas individualmente pelo líder do PSDB, senador Arthur Virgílio (AM). Uma representação ingressada pelo PSOL contra o líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), também foi engavetada. O senador fluminense alegou que as ações não têm amparo jurídico e jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF).
“A representação não pode ser mera coletânea de recortes de jornais”, resumiu Duque, integrante da tropa de choque de Sarney. Demóstenes Torres (DEM-GO) chegou a interromper Duque para dizer que o STF aceita recortes de jornal para abertura de investigação. O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) classificou a reunião do conselho nesta quarta-feira como um “espetáculo deprimente”.
Foram arquivadas as acusações contra Sarney no caso em que teria beneficiado o neto José Adriano Sarney em operações de crédito consignado de funcionários da Casa, duas por irregularidades na Fundação José Sarney e uma que o responsabilizava pelos atos secretos. Neste caso, Calheiros também se beneficiou.
A sessão no Conselho de Ética só ocorreu depois do pronunciamento de Sarney no plenário do Senado. Ele apelou para a camaradagem e o corporativismo em seu discurso. “Todos aqui somos iguais. Nenhum senador é maior do que o outro e, por isso, não pode exigir de mim que cumpra a sua vontade política de renunciar.
"Permaneço pelo Senado para que ele saiba que me fez presidente para cumprir o meu mandato”, afirmou Sarney, logo após enumerar atos de seu passado, como sua oposição ao AI-5, seu papel na redemocratização do País e medidas tomadas no período em que foi presidente da República (1985-1990).
Com o pronunciamento, Sarney buscou antecipar sua linha de defesa. Alegou que assinou apenas 34 atos secretos nos três mandatos que exerceu na Presidência do Senado e afirmou que o fez sem saber que eram secretos. Também negou que praticasse nepotismo. Dos 17 supostos apadrinhados que teria nomeado, Sarney disse que desconhecia a maioria e também negou que tenha favorecido o neto nas operações com crédito consignado.
Apenas o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) questionou a linha de defesa apresentada por Sarney. Constrangido, apontou o que considerou contraditório. Afirmou que alguns dos apadrinhados que Sarney alegou desconhecer eram, sim, ligados a ele. “O seu próprio neto, e essa é a parte mais constrangedora, ele próprio admitiu haver intermediado crédito consignado no Senado”, disse o tucano.
No PMDB e entre os líderes da base aliada, era visível a sensação de que o pronunciamento de Sarney aumentou sua musculatura para sobreviver à crise. O mais entusiasmado era o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR). “Ele tomou conta da cena!”.
Crise na Casa preocupa bigodudos famosos
A crise no Senado também mexeu com bigodudos famosos, como o ator Marcius Melhem, que interpreta Radesh, na novela ‘Caminho das Índias’. Ele foi contundente nas críticas e disse que Sarney deve perder o mandato, não apenas a presidência da Casa.
“Ele (Sarney) não tem estatura moral para estar ali”, acusou. Segundo o ator, o presidente do Senado se comporta como se “o cargo fosse dele, e não do povo. Aquele lugar é nosso”, sentenciou. O ator, que chegou a ser apelidado de Sarney no início das gravações, hoje se envergonha de ser comparado ao senador. “Estou louco para tirar o bigode”, disse.
André Gonçalves, 33 anos, o Gopal, outro bigodudo da novela, disse que a campanha do blog na Internet ‘Só tiro meu bigode quando o Senado tirar o dele’ reproduz o espírito do brasileiro, com uma pitada de humor. “Eu sou a favor da campanha. Acho que ele deve sair. O Brasil pede que ele saia, para o bem da Casa e do País”, defende.
Moradores do Rio ficam indignados
A pizza preparada pelo Conselho de Ética do Senado ao arquivar denúncias contra Sarney teve sabor amargo para o funcionário público Wilson Rogério Rios de Barros, 59 anos, e o aposentado Alberto Ramos Simões, 55. “O Senado está um esculacho”, protesta Alberto, indignado com a permanência de Sarney na presidência da Casa. “Ele já deveria ter saído há muito tempo. Alegar que não sabia de nada é muita cara de pau”, completa Wilson. Dono de bigode semelhante ao de Sarney, Wilson diz que tira o dele se o peemedebista cair. “Raspo na hora”, afirma o aposentado.
Indignação também foi o que sentiram o gerente de bar Manoel Lopes de França, 48, e o aposentado José Pereira, 69. “É uma vergonha. Como presidente da República, ele (Sarney) não fez nada, e agora no Senado é só escândalo”, afirma o aposentado. “Fico até irritado quando falam o nome de Sarney do meu lado. É uma vergonha para o País, ele não deveria estar lá”, protesta Manoel.
A estudante de Gastronomia Eleonora Duarte, porém, disse que não se surpreendeu com o desfecho inicial do caso. “O Sarney não vai renunciar, vai resistir. Se ele tivesse dignidade já deveria ter saído, mas lamentavelmente vai ficar”, opina a estudante.
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